Decolonial Translation Group

 

 

A Dominação Racial na França

Entrevista de Sadri Khiari realizada por Danièle Obono

 Fonte: revista Contretemps

 Sadri Khiari, ativista tunisiano exilado na França desde do início de 2003, é um dos membros fundadores do Movimento dos Indígenas a República (MIR) do qual é atualmente uns dos dirigentes principais. Tem publicado, entre outros, Por uma política da ralé. Imigrantes, indígenas e jovens do subúrbio, editora Textuel, Paris, 2006 e A contra revolução colonial  de Gaulle à Sarkozy, editora La Fabrique, Paris, 2009. O MIR nasceu a partir de um chamado, em janeiro de 2005, com o título “Somos os indígenas da república”1, firmado por várias pessoas e associações. Desde então, o MIR tenta unir e organizar entre seus militantes decendentes da migração colonial e de bairros populares na França com a perspectiva de construir um instrumento de luta política de bairros populares na França com perspectiva de construir um instrumento de luta política autônoma, sobre a base de uma problemática articulada pelas questões do racismo, do colonialismo e do imperialismo. Este movimento anuncia a criação de um partido (O partido dos indígenas da República) e se propõe ser presente no pleito eleitoral. A porta voz do PIR é Houria Bouteldja.

 

Pergunta: O chamado dos indígenas, que tem criado muita controvérsia, já tem mais de quatro anos. O Movimento dos indígenas da República (MIR) foi criado alguns meses depois. Como estão hoje com respeito a este processo, e em particular na construção de um partido político dos indígenas?

 O chamado que lançamos em janeiro de 2005 é o documento fundador do MIR e segue sendo nossa referência primordial. Desde então, temos levantado nossas questões, desenvolvido nossas concepções e começado a elaborar um verdadeiro projeto positivo, que não fique somente na contestação sem que possa também ser um instrumento de reconstução política do país no qual vivemos. Isto nos levou a adotar outro documento importante com o título: “Quem somos?”, a conceber propostas formuladas na véspera da última eleição presidencial (“Eleições: as exigências do MIR”, Os Indígenas da República, nº 3, janeiro 2007), e a assumir numerosas posições sobre diferentes eventos políticos, que também aproveitamos para detalhar e ampliar nossas concepções. Sem esquecer as numerosas contribuições de nossos militantes ou de nossos amigos, a maioria destes textos estão disponíveis em nosso site web (http://www.indigenes-republique.fr). Mas não existe milagres. Um verdadeiro programa e uma estratégia, coisas indispensáveis para não cair na politicagem, são obras coletivas. Não são consebidas  em uma biblioteca.  Há de ter uma inserção social real,  estar em contato com a realidade dos conflitos, provar, pretender,  experimentar orientações e, às vezes, cair na real. É preciso também entrar em diálogos contínuos, inclusive  com os que não compartilham  nossos pontos de vista. Faz falta um organismo de acumulação, de sedimentação e de sínteses destes múltiplos esforços. Em resumo, faz falta um partido. Por hora, temos um quadro problemático que permite conceber soluções, um mínimo de experiência e uma vontade determinada de pensar por nós mesmos. Como Martin Luther King – mas certamente não como Obama – temos um sonho. O sonho de um mundo sem imperialismo, sem colonialismo, sem racismo. Temos uma ambição coletiva como herdeiros da colonização, migrantes ou filhos de migrantes, a ambição de participar no governo da França, de ser parte de suas decisões políticas, de atuar sobre seu presente e futuro, desde da base mas também desde das mais altas instâncias de decisão do Estado. Em resumo, já não queremos estar fora da política, nem que se decida por nós, queremos participar no poder para poder iniciar neste país uma política de descolonização2.

Nosso projeto não é constituir um lobby sim não um movimento popular de mobilização desde a base. A participação nas instâncias de poder é um engano se não se sustenta em uma verdadeira relação de força com raízes na resistência. Para dizê-lo de outra maneira, não estamos aqui nem para presionar, nem para chorar, nem para indignarmos, nem unicamente para protestar. Não temos o complexo dos que pensam não ter nenhum direito sobre a França, nem o sentimento de impotência dos que se paralizam por temor à “recuperação”3 porque se consideram vítimas de alguma conspiração maquiavélica fomentada contra nós por  forças obscuras. Tão pouco somos aislacionistas desesperados para quem tudo está perdido e que tecem com amargura seus tecidos, excluindo-se assim eles mesmo da política. A autonomia não é o separatismo, sim a construção de uma relação de forças. Não somos maximalistas, nem apocalípticos, mas tão pouco faremos a “dança do ventre” para seduzir. Todavia, estamos conscientes de que a realização de nossos sonhos não se dará de uma vez como por arte de magia, que necessitarão muitas batalhas, uma transformação das relações de forças filosóficas, morais, culturais e políticas. Sabemos que a emergência de uma maioria política descolonizada implicará profundas recomposições do campo político, que deverá ter raízes em amplas classes populares apesar das contradições que as submetem e que nos submetem. Mas também estamos convencidos que uma tal mudança não poderá relalizar-se sem nossa vontade independente, ou seja, sem nosso próprio partido, um partido que represente o conjunto das populações “indigenizadas”, um partido no qual seremos mestres de nosso próprio pensamento, de nossas  prioridades políticas, de nossas alianças, de nossa “agenda”. Nesta construção que estamos trabalhando deste da Marcha dos indígenas de 8 de maio de 2008, cuja  reivindicação era: “Construamos nosso próprio partido”.

Segundo uma forma ou outra, tentaremos, desde este ponto de vista, estar presentes nos comícios eleitorais mais importantes. Não estaremos preparados para as eleições regionais, mas nas municipais (Prefeito), haverá de contar conosco em certos municípios. Nos orientaremos provavelmente em direção a constituição de listas “indígenas” onde seja possível. Também estamos refletindo acerca das eleições legislativas e presidenciais.

 

Pergunta: Esta decisão de construir um partido “próprio” soa e em parte como uma denúncia das organizações políticas de esquerda e ultra-esquerda as quais as populações migrantes e seus filhos defenderam por muito tempo. Como explicar que não hajam encontrado um lugar nelas? Ou quem sabe esta maneira de pensar a política, pela “integração” aos partidos existentes, não será todavia extremamente dogmática e tachada de aceitação do mundo “branco”? 

 Já tenho dado uns elementos de respostas, mas para responder mais diretamente a sua pergunta, eu diria que os não-brancos estão excluídos pelo conjunto do sistema político, e estes são a principal encarnação do neo-indigianista. Concordo que esta exclusão, se bem coincide com a minoria política das classes economicamente desfavorecidas, não se reduz a isso e procede de outra lógica: a que, precisamente, analizamos como racial. Com respeito aos partidos, temos que reconhecer que várias gerações de militantes da migração tem tentado atuar neles, sem resultado algum. Ao contrário, os grandes partidos, tanto da direita como de esquerda, seguiram políticas que vão cada vez mais contra nossos interesses. Enquanto as organizações mais pequenas, de esquerda, nunca consideraram que nossas preocupações mereciam ocupar um lugar central em sua intervesão. É signinifcativo que nenhuma das formações polítcas existentes, as populações descendentes da migração colonial estão representadas em proporção de sua realidade social, sem falar de sua quase ausência nos organismos de direção. E se hoje se nota uma ligeira melhora, que de fato é muito ambivalente, se deve provavelmente a influência da revolta dos bairros e, mais recentemente, ao “efeito Obama”. Como, nesta situação, poderíamos nos sentir representados por estes partidos? É impossível. Você disse que por muito tempo os migrantes e seus filhos sustentaram a esquerda e a ultra-esquerda, mas, para ser preciso faria falta dizer que por muito tempo – e segue sendo assim - a maioria dos migrantes coloniais e seus filhos votaram na esquerda. Isto não significa, de nenhuma forma, que se reconheciam massivamente na esquerda e suas lutas mais, prosaicamente, que a esquerda lhes parecia um mal menor ou que pelo menos não iria implementar as políticas racistas que preconizava a direita. O qual também resultou ser uma ilusão. De fato, nas últimas eleições presidenciais, muitos franceses migrantes votaram pelo Modem4, simplesmente porque se deram conta que sobre as questões que lhes interessa, o Partido Socialista5 não é melhor que a União  pela Maioria Presidencial6, e, neste caso, por que não experimentar com o Modem? De nenhum modo nós podemos imaginar que se sintam representados pela Modem. A incapacidade de todos estes partidos para representar-nos não é somente circunstancial. Se sua política não leva em conta nossas necessidades mais que ocasionalmente, se não temos lugar neles, é que eles são iguais ao conjunto das instituições deste país, formam parte do sistema racial. Enfrentam-se entre eles, mas participam todos, em diversos níveis e segundo modalidades ás vezes complexas, na preservação do privilégio branco. A estruturação aparente do campo político entre direita e esquerda esconde a dominação racial ao mesmo tempo contribuie para sua reprodução. Se queremos construir um partido dos indígenas, é justamente para desfazer este vínculo, fazer aparecer no cenário público esta outra conflitividade que é esta questão racial. Se queremos construir nosso próprio partido é porque o que fundamenta a política indígena é a opressão racial. E uma de suas encarnações é o assimilacionismo republicano, do qual os partidos existentes são também os instrumentos. Com efeito, estes partidos estão consebidos segundo o modelo republicano: neles não existem oficialmente  se não indivíduos ou cidadãos abstratos, atomizados, sem determinação alguma. Em uma parte da esquerda é certo que se tem levado em conta o fato de que urm indivíduo está socialmente determinado por seu lugar no processo do trabalho. Daí que tem surgido as distintas formas de partido dos trabalhadores ou da classe trabalhadora. Mas se tem ocultado esta poderosa determinação social que é a posição no processo de reprodução destes grupos estatutários que eu chamo as raças sociais e que resultam da hierarquização entre brancos e não-brancos produzida pelas distintas formas coloniais e também pelas resistências geradas por ela. Este ocultamento não somente leva a não compreender o rol destes partidos na preservação da supremacia branca senão também em não integrar em seu próprio sonho, em suas próprias modalidades de estruturação, a realidade de coletivos sociais com expectativas particulares em termos, por exemplo, da cultura, de relação com a história, a nação, etc. Os partidos brancos não podem resolver este problema porque se construiram dentro do modelo republicano, versão jacobina, reforçado  pela tradição assimilacionista colonial. Apenas  aludimos a esta questão, se nos assusta o fantasma do comunitarismo anglo-saxão. Eu não creio que este modelo seja interessante para nós – nada mais que ver a magnitude das discriminações raciais em Grã-Bretanha e nos Estados Unidos – mas também parece claro que o modelo republicano francês igualmente tem que se superar. Aliás, não no sentido que sugere Sarkozy em seus discursos. A pergunta para nós está na mesma concepção do partido que queremos construir. Com efeito, estamos conscientes de que os indígenas, por suas histórias diferentes mas também pelas políticas implementadas contra eles, estão inseridos de maneira diferenciada e hierarquizada na sociedade, o que poderia refletir no partido que queremos construir. Por isso estamos refletindo em uma forma de partido que leve em consideração estas diferenças, articulando seu modo de funcionar, de elaborar e de tomar decisões em espaços que reúnam a todos os militantes unidos por sua condição de indígena, e espaços que organizem como coletividades os distintos componentes do novo indigenato sobre a base de suas particularidades históricas e culturais reivindicadas.

 

Pergunta: Um partido significa um projeto político concreto e não somente  a afirmação de um modelo de sociedade ideal...

 Efetivamente, como disse antes, temos um sonho, mas não ficamos unicamente no sonho. Sabemos que este processo será longo e que haverão choques, que teremos que convencer, forçar e com freqüência negociar. Assim é toda ação política, e mais ainda para nós, que constituímos atualmente uma minoria social. Por isso penso que teremos que nos apoiar sobre uma sorte de programa intermediário que não seja um repertório de reivindicações do tipo “sindical indígena”, senão que esboce as linhas diretrizes de um processo reformador capaz de empreender um processo de descolonização, é dizer, criar obstáculo e contradizer as lógicas imperiais e raciais do estado e da sociedade francesa integrando ao mesmo tempo demandas políticas distintas que não nos atraem especificamente e que incluam levando em conta as preocupações dos “outros”, os brancos. Sem negarmos a nós mesmo, se tratará, atravé deste programa intermediário, de adotarmos uma ferramenta política para unir os indígenas e os habitantes dos bairros populares, que muitas vezes estão indigenizados6, para construir laços de cooperação pontuais ou duradoros com outras forças, incluindo brancos, com o objetivo de desenvolver uma estratégia de construção de longo prazo de uma maioria política descolonizada enraizada no conjunto dos setores desfavorecidos da população.

 Em resumo, se trata de esboçar um processo que não seja de palavra vazia se não capaz de impulsionar consensos dinâmicos – e com isso quero dizer que conflito e consenso são duas caras da mesma moeda – atraindo círculos cada vez mais amplos da sociedade francesa ao redor de um projeto de descolonização. Sabemos que nossa luta será longa, mas não tememos ao tempo.

 

Pergunta: Nos poderia dizer mais sobre o conteúdo deste programa intermediário?

 Posso, certamente, fazer algumas observações genéricas, mas não terão sentido em proposições concretas. Queria dizer para começar que as desigualdades raciais são produzidas por múltiplas lógicas sociais, culturais, administrativas e políticas produzidas, entre outras coisas, pela colonização e o imperialismo. Então uma política que não pensa todos os níveis onde se encontram as raízes deste racismo institucional estaria condenada ao fracasso. Medidas contra as discriminações no trabalho, por exemplo, não teriam êxito sem uma transformação das relações de cidadania no seio das empresas, uma reforma cultural, um novo enfoque sobre a migração ou revisões profundas de ordem republicano. Por isso faz falta um “plano global” contra as desigualdades raciais.

Deve se pensar em mecanismos que bloqueiem a lógicas racializantes, em instanciais nas autoridades executivas que teriam a responsabilidade de vigiar sua aplicação em todos os setores da ação pública, mas também que exerça um poder de obrigação – e não somente de incitação – no setor privado. Um tal plano deveria incluir o ensino. Com efeito, a escola é uma instituição fundamental na construção da consciência coletiva e da nação. Não é suficiente introduzir algumas linhas sobre a memória da escravidão para mudar a idéia que os franceses se fazem deles mesmos e da França. Para desequilibrar o eurocentrismo branco haveria que revisar radicalmente os programas de ensino nas distintas matérias. De maneira mais geral, é no conjunto das políticas culturais que se deve atuar. Também esta política de migração, a questão laica, as relações com os “Dom-Tom” [nota dos tradutores: Departamentos e territórios de ultra-mar localizados no Caribe, no oceânico Pacífico e no oceano Indíco], a política internacional da França, em particular com suas antigas colônias e com a questão palestina. Todos estes níveis contem lógicas que criam o racismo. 

Mas quero insistir aqui sobre a cidadania. O sistema indígena contemporâneo começa por uma negociação da cidadania. É importante constatar que em todos os projetos apresentados oficialmente, as instâncias encarregadas de negociar ou de controlar a aplicação das medidas anti-discriminatórias são as mesmas que participam, em diversos níveis, da reprodução das desigualdades raciais. Por exemplo, o quê se pode esperar de uma negociação entre empresários e sindicatos majoritários que estão preocupados por manter os privilégios dos trabalhadores brancos? Haveria que imaginar, ao contrário, dispositivos que garantissem a implicação dos que estão sendo discriminados no controle das políticas públicas e do setor privado. Por que não, por exemplo, instalar nas empresas assim como também no funcionalismo público um controle dos recrutamentos, das promoções, da organização do trabalho por instâncias  representativas dos assalariados indígenas e das organizações anti-racistas? Podem-se conceber dispositivos similares nos organismos que se encarregam da vida pública. De maneira mais geral, não há progressos na luta contra o racismo institucional sem que suas principais vítimas estejam excluídas das esferas de control, decisão e de concepção. Devem estar presentes nelas com absoluta autonomia. Certamente, tudo isto cria perguntas sobre sua auto-organização e também sobre o problema imenso de sua representação política no campo institucional. Até agora, somente se tem pensado em termos de integração dos indígenas ao partidos brancos: como abrir os partidos à “diversidade”? Eu não estou seguro de que esta é a pergunta adequada. Ao meu ver, deve se tomar medidas para facilitar o acesso dos indígenas às instâncias de representação e autoridade. Tem-se implantado nas eleições proporcionais e efetivamente isto seria positivo. Sem dúvida, o reconhecimento da cidadania dos migrantes é outra coisa. Numerosas reformas neste sentido poderiam ser implementadas a todos os níveis da sociedade política para que esta última seja realmente representativa dos distintos componentes da população. Certamente, impulsionaremos  as reformas que nos pareçam mais importantes. Mas também deve-se realizar uma revisão institucional que não ocorrerá sem um choque com os republicanos ortodoxos.

Teria como objetivo encarnar o multiculturalismo. Não é suficiente dizer “Sim, França é multicultural”. Também deve-se desenvolver dispositivos que permitam às minorias culturais existir no estado, como corpos coletivos e ter realmente sua palavra sobre as questões que lhes interessa. As correntes “regionalistas” pedem direitos coletivos para as minorias territoriais “antigas”[nota dos tradutores: aqui não está falando de minorias étnico/raciais se não de regiões territoriais, em minoria], mas de maneira estranha, não se espera que  tal reivindicação possa ser legítima também para as nova minorias indígenas. Nesta perspectiva, é importante  definir também os dispositivos que garantem os direitos individuais. Não se trata de fato de posicionar a qualquer um dentro de uma minoria contra sua vontade. O conjunto destes temas, apresentado aqui em desordem, formam naturalmente parte do trabalho programático que temos começado. Dito isto, estas reflexões na deveriam ser levadas somente por nós. Deveriam ser centrais na agenda de todos que consideram que o imperialismo e o racismo tem gerado a barbárie e seguirão  fazendo-o.

 

Pergunta: Falam de “luta das raças sociais”, de “indígena’, de “colonizados internos”, de um de “nos” ao qual opõe um de “vocês”, os “não indígenas”, os “brancos”, os “souchiens”7 etc. Esta leitura das relações sociais em termos de categorias “identitárias”, Não estaria muito imóvel? Não temem que estas categorias impeçam as convergências ao redor deste programa intermediário?

 O que poderia impedir estas convergências não são as categorias de análise nem o jeito de nomear explicitamente o que geralmente não se fala, é dizer a divisão racial que atravessa o conjunto da sociedade francesa, classes trabalhadoras incluídas. É a divisão racial em si, são privilégios a menos sócio-econômicos, sempre simbólicos, culturais, políticos dos quais se beneficiam os brancos, europeus, cristãos que constituem o obstáculo real a estas convergências. Quando falamos das raças sociais não fazemos mais que enfatizar o jeito que o colonialismo e o imperialismo fabrica uma hierarquia dos grupos sociais de acordo a qual se classificam os grupos brancos, europeus os cristãos ou não. Apesar desta forma de dominação globalizada e das resistências que gera, as raças não têm existência histórica. Portanto, quando falamos de indígena, de branco ou de raças sociais, não se trata de nenhuma maneira de categorias identitárias, como você disse, se não de uma relação social colonial. Mas as identidades também são relações sociais em suas dimensões culturais e simbólicas e estas identidades hoje dissimulam com freqüência relações sociais de raça. Existem identidades dominates e identidades dominadas, e estas, ainda que reflitam parcialmente as identidades dominantes, podem constituir frente de reistência à dominação. Como movimento político, esta questão identitária nos interessa desde o ponto da nossa luta da descolonização. E deveria interessar também a todos os que se definem como anti-racistas e anti-imperialistas. No entanto a esquerda não reconhece a realidade dos privilégios brancos – incluindo no plano da identidade – poderá gritar a palavra de ordem “trabalhadores franceses, trabalhadores migrantes; mesmo patrão, mesma luta”, quantas vezes quiser, mas serão palavras ao vento e nada mais que palavra ao vento. O pior ainda, será uma forma de subordinar aos trabalhadores migrantes e a seus filhos às demandas particulares dos trabalhadores brancos. Então, para aclarar o terreno fazia futuras convergências necessitando primeiro entender o mundo como é, ainda que seja desagradável para alguns. Este último é o que tratamos de fazer. Sem descartar as outras fraturas sociais, as categorias que usamos buscam entender a vida real, sem  os enganos da ideologia republicanas8. Que às vezes nós também esquematizamos a situação ou usamos fórmulas extremamente cruas aos olhos de alguns, primeiro nos faz senrir melhor, e segundo gera um debaete muito útil. Tem-se comprovado, por exemplo, que o documento intitulado “Chamado dos indígenas” de 2005 já não choca a ninguém depois de haver criado infinitas controvérsias que termianram por integrar-se na reflexão coletiva.

 

Pergunta: Pensas que seja possível agum dia uma aliança entre vocês e organizaçõe de esquerda radical?

 A pergunta é, de maneira mais geral, a das relações que poderíamos estbelecer com outras formações políticas na perspectiva de constituir esta maioria descolonizada a qual aspiramos. É um movimento que levará tempo e provavelmente para este momento a paisagem política será muito diferente do que conhecemos hoje. Exceto se se pensam em uma lógica binária, a realidade dos conflitos raciais não exclui uma convergência. Apesar das oposições reais, existem, certamente, intereses comuns entre as classes populares brancas e os indígenas que poderiam permitir negociar alianças. Pelo menos, esta é nossa aposta. Pensar de maneira contrária nos levaria a um beco sem saída estratégica. O objetivo de uma maioria política descolonizada na França não seria se não mais uma utopia. Sem dúvida, nossa prioridade hoje é unir aos indígenas e construir sua independência política, e, quando chegar o momento, suponho que estaremos abertos a todas as forças que respeitem nossa autonomia e se comprometam em uma perspectiva descolonização séria e de maneira intermitente. A priori não temos nenhuma ideologia na maneira de conceber nossas hipotéticas alianças, sejam cooperações pontuais ou mais duradoras. Estarão determinadas por sua capacidade de fazer nossa luta avançar. Não pedimos às organizações de esquerda radical que compartilhem nossas análises. Sabemos muito bem que um branco de esquerda se ofende quando dizemos que, para nós, ele é parte dos dominantes. O que esperamos é um acordo sobre posições políticas, sobre as lutas a desenvolver, sobre as reformas a implementar. O que exigimos é respeito de nossa autonomia. E estamos muito longe disso.

Quero concordar que pode existir uma separação entre os imperativos de curto prazo, ou a escala local e os imperativos de longo prazo, ou a escala nacional. Tomemos um exemplo: as ditas “estatísticas étnicas”9, que geraram violentos debates no início do ano de 2009 quando Yazid Sabeg foi nomeado por Sarkozy  ministro da diversidade. Este é um tema muito controverso onde tanto a esquerda como a direita compartilham das mesmas premissas. Outro exemplo adicional: se um prefeito comunista multiplica as manobras para impedir a construção de uma mesquita em sua cidade, se pode repudiar aos eleitores mulçumanos que votam a favor do candidato de direita porque se compromete em dar as autorização para construir esta mesquita? Todos estes exemplos ilustram que a posição direita/esquerda não dá conta, atualmente, da divisão racial. Para dizê-lo de outra maneira, a esquerda, inclusível a mais radical, não é, ao contrário do que ela crer, sinônimo de anti-racismo e terá que mudar se quer ser um aliado de confiança aos olhos das populações descendentes da colonização. Quanto a nós, está claro que um dos desafios maiores para a formação de um partido político indígena, que atue em nível nacional, será ter em mente combinar múltiplos objetivos: libertar-nos da oposição direita e esquerda, ganhar a capacidade de levar uma política independente, mas também articular os desafios conjunturais ou locais imediatos com nossas perspectivas descolonizadora a longo prazo. Com o tempo, espero que poderemos pensar em um “todos juntos” descolonizado capaz de tomar o poder, que é o objetivo de todo partido político. Se a esquerda radical se compromete nesta via, melhor. Terá que fazer uma verdadeira revolução culrural e entender em particular a importância para nós destes temas que, para ela, não são se não segundário ou, pior ainda, diversões.

O mesmo com a questão do islã, que evoco em particular porque sei o quanto dói. Se mobilizará conosco a esquerda radical contra a islamofobia, para a abolição da lei do véu e, de maneira mais geral, para que os mulçumanos possam se beneficiar de direitos equivalentes aos dos outros cultos? Outra coisa: a questão da história ou da memória que para nós é fundamental. Quando um tem uma história, a priori dominate, se pode fazer um balanço e até rechaçá-la totalmente como referência identitária. Mas quando um está privado da história, como é no nosso caso, esta privação é uma das formas que toma a opressão, e temos que começar primeiro por conquistar nossa própria história. A declaração da esquerda radical é apoiar-nos neste trabalho, e não denunciar nossos mitos como reacionários. O controle da história é uma questão eminentemente política. Está no coração da constituição nacional francesa como nação imperial e racial. Vou citar um parágrafo de um ensaio típico da cegueira da esquerda radical (“O problema com a diversidade” "The Trouble with diversity" -el problema con la diversidad- Metropolitan books, 2006) também  publicado na França (“La diversité contre l’égalité”, éd. Raison d’agir, 2009). O autor, um americano de nome Walter Benn Michaels, que de fato não duvida em deformar nossas idéias, se apóiam em um dado momento sobre uma novela de Leslie Marmon Silko [nota dos  tradutores: Silko é uma escritora  indígena  norte americana] entitulada Almanac of the Dead. Esta conta a história de um comunista cubano muito parecido a esquerda radical na França: “… O Cubano passa tempo explicando que estão sendo explorados e que deveriam entrar em luta contra o capitalismo; os índios  passam o tempo explicando que o que querem é combater é ao branco. Quando o marxista se vê uma vez mais em uma discussão contra os donos da propriedade privada, negando-se a calar-se ou a escutá-los falar de sua herança (os massacres, as expoliaçoes, a assimilação forçada), o acusam por ‘crimes contra sua história’…”. Esclarece-se em seguida: eu estou do lado do índio. Walter Benn Michaels, certamente, está escandalizado por tal afronta. Para ele, estes “selvagens” inflamados por “emoções  irracionais”, que se negam a ouvir a “razão” e cortam a palavra a um valioso comunista, são “contra-revolucionários”. Para mim este tipo de comunista atua como um colonailista da esquerda. E tenho que reconhecer que, com freqüência, tenho tido a tentação de dar um golpe na cabeça de um militante de ultra-esquerda que se esforçava  em me explicar  que as reivindicações “idententárias” e “comunitaristas” eram falsas, eram reacionárias e que eu devia elevar me a universalidade da luta de classes.

Para conceber alianças sólidas e duradouras, a esquerda radical teria que romper com seu materialismo frio que não a deixa entender a necessidade – universal, ao parecer - de história, de identidade, de espiritualidade e de dignidade, uma dignidade que não seja somente a dignidade de consumir.

 Mais grave ainda: eu temo que a esquerda radical tão pouco entenda o que mobiliza e interessa as classes populares brancas. É provável que o proletariado francês que votou em Sarkozy não estava esperando que lhes aumetaria o salário. Votaram por “valores’, não importa o que alguém possa pensar destes valores. E os valores não se combatem com 1500 euros adicionados em seu salário, se não com outros valores; se combatem com política e cultura. Frente à política sarkoziana da “Identidade nacional” alguém não se pode ficar em um internacionalismo universalismo e uniformizador (e, desde nosso ponto de vista, muito eurocentrista). Deve-se encontrar outra respostas. Estou convencido que a presença massiva na França de populações oprimidas culturalmente pode ajudar e a renovar a  reflexão sobre este tema. Eu creio que a esquerda radical tem muito que aprender dos movimentos indígenas porque estes sabem, pelo estatuto que vivem como descendentes colonizados triturados e inferiorizados em suas identidades, que a política não se pode reduzir a questão sócio-econômica.

 

Traduzido para o português por Suzete Lima.

 



1 A noção de indígenas usada aqui tem uma referência particular na história colonial francesa. O império francês usava o termo indígena para se referir aos sujeitos coloniais em suas colônias através do mundo. O movimento conhecido como “Los indígenas” da república”na França se compõem principalmente de jovens franceses de origem africana, árabe, e antilhano nascido e criados na França que vivem a experiência do racismo colonial e sua conseqüente marginalização e exploração social.

2 A política de descolonização que reivindicam “Os indígenas da Republica” significa descolonizar radicalmente o estado e a sociedade francesa para por fim ao caráter imperialista, colonialista, capitalista, patriarcal, branco, eurocentrado.

3 Cooptação.

4 Se refere a formação política criada por François Bayrou, político francês de centro-direita que concorreu como candidato na última eleição presidencial em 2007. Bayrou ocupou um lugar importante importante no final da campanha, se convertendo no “tercer hombre” chegando em terceiro na primeira turno com 18,57%  dos votos, atrás de Ségolène Royal (25,87 %) do partido socialista y de Nicolas Sarkozy (31,18 %), da União pela Maioria Presidencial (UMP). Durante  a campanha, Bayrou  recebeu o apoio, entre outros, de Azouz Begag, ministro do governo da direita Villepin encarregado da igualdade e filho de migrantes argelinos.

5 Partido pertencente a social democracia européia e próximo a políticas neo-liberais.

6 A UMP, formada por Chirac e liderada hoje pelo presidente Sarkozy.

6 Para Sadri esta categoria inclue brancos pobres que estão indigenizados.

7 “Souchiens” é um adjetivo constuído a partir da expressão “français de souche”que se poderia traduzir como  “francés de puro sangue” inventada faz 27 anos por Le Pen, dirigente fascista e racista do partido conhecido como Front National (Frente Nacional). Recuperada por muitos políticos de todo tipo de partidos, esta expressão se tem “normalizando” e está hoje amplamente empregada no vocabulário político francês. Em 2007, a porta voz do  MIR (Movimiento de los Indígenas de la República), Houria Bouteldja, usou o termo de “Souchiens” em um programa de televisão e isto criou um escândalo midiático já que alguns intelectuais franceses brancos de má fé aproveitaram um homônimo e  acusaram que sua verdadeira intenção era dizer “sous-chiens” (abaixo de cão). Houria Bouteldja publicou uma resposta pública a estes ataques.

8 Ideologia que em nome da igualdade abstrata encobre as desigualdades étnica/raciais, sexuais e gênero e acusa aos que prentendem lutar contra estas formas de opressão com a retórica “comunitarista” no contexto francês significa ser acusado de defender as reivindicações particulares de seu próprio grupo em detrimento da “igualdade” de todos os cidadãos. Sem dúvida o que existe na França é um comunitarismo masculino branco no poder que se encobre e auto representa como defensor da “igualdade e acusa de “comunitarista” aos grupos oprimidos que protestam contra a dominação racial e patriarcal.

9 No modelo republicano francês se proíbe o uso de estadísticas étnicas e raciais no censo da população. Isto cria situação de que não existem dados oficiais do estado acerca do perfil sócio-econômico dos diversos grupos étnicos/raciais na França. Ao não haver evidência oficial acerca da discriminação étnico/racial, os grupos afetados não tem legitimidade em suas reclamações anti-racistas. Recentemente, tem havido um movimento na tentativa de instaurar perguntas relacionadas às origens étnico/racial no censo populacional. Sem dúvida, isto tem criado uma reação pública contrária a esta proposta por parte de intelectuais ocidentalizados (tanto de direita como de esquerda) y de administradores/políticos/funcionários do estado republicano. O movimento dos indígenas da república tem manifestado apoio ao uso de perguntas étnico/raciais no censo populacional na França.